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2024, o ano em que Moçambique votou, desceu à rua e protestou
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Entramos na fase final de 2024 e, como todos os anos, tentamos esboçar um balanço dos últimos meses que passaram em África. Neste sentido, falamos com diversos estudiosos, nomeadamente o escritor e analista cabo-verdiano António Ludgero Correia, o professor de Relações Internacionais angolano Osvaldo Mboco, o analista moçambicano Justino Quina, o jornalista guineense Diamantino Lopes, o sociólogo são-tomense Olívio Diogo e o especialista português do Corno de África, Manuel João Ramos.
Neste balanço do ano, não podíamos deixar de dar destaque a Moçambique cuja actualidade tem sido trágica com a recente passagem do ciclone Chido no norte do país, provocando numerosos mortos e afectando muitos milhares de pessoas.
A nível político, estas últimas semanas foram também intensas em Moçambique, depois das eleições gerais de 9 de Outubro, com a CNE a declarar a Frelimo no poder vencedora com mais de 70% dos votos.
Resultados rejeitados pela oposição, em particular pelo partido extraparlamentar 'Podemos' e o seu candidato presidencial Venâncio Mondlane que apelou regularmente a manifestações e bloqueios por todo o país.
A repressão desses movimentos resultou em mais de 130 mortos, de acordo com a sociedade civil, o que abriu uma ferida profunda no seio da população. Para o cientista político Justino Quina, houve um extremar de posições de parte a parte. Só que "o país não tem condições de viver períodos de instabilidade cíclica", adverte o estudioso.
Este foi também um ano de dor no Sudão, onde pelo segundo ano consecutivo, o exército do general Abdel Fattah al-Burhane se opôs aos paramilitares das Forças de Apoio Rápido do general Hamdane Daglo, com um balanço que ascende a várias dezenas de milhares de mortos, 12 milhões de deslocados e a "maior crise humanitária do mundo", segundo a ONU. Uma situação que infelizmente não tem fim à vista, de acordo com Manuel João Ramos, especialista do Corno de África ligado ao Instituto Universitário de Lisboa, para quem este "é o problema mais grave em todo o mundo, mas aquele é mais esquecido".
A zona do Sahel também continuou em ebulição em 2024, nomeadamente com o Níger, o Mali e o Burkina Faso a anunciarem no começo do ano a sua decisão de sair da CEDEAO. Esta decisão foi confirmada em meados deste mês na última cimeira da Comunidade Económica do Estados da África do Oeste, com os dirigentes da organização a dizerem que esta saída será definitiva dentro de seis meses. Para o jornalista e analista guineense Diamantino Lopes, "factores políticos, diplomáticos e também factores económicos nesses países e ainda associados à segurança" contribuíram para esta decisão.
Este foi também um período particularmente conturbado no Senegal, onde após o anúncio do adiamento das presidenciais inicialmente previstas em Fevereiro, eclodiram manifestações violentas. O escrutínio que acabou por ser realizado em Março, foi marcado pela vitória do opositor Bassirou Diomaye Faye. O seu partido venceu igualmente as legislativas de Novembro, confirmando Ousmane Sonko no posto de primeiro-ministro. Esta alternância política traduziu-se por uma viragem, designadamente em termos de relações com parceiros tradicionais como a França.
Recentemente, o Senegal disse que não quer mais a presença de tropas francesas no seu território, por uma questão de soberania. "Agora, vemos um novo grupo político que é pan-africanista, tem uma outra visão política, uma outra visão da sociedade", considera Diamantino Lopes ao falar em "mudança geracional".
Pelo contrário, na Guiné-Bissau, 2024 marcou a continuidade da viragem assumida em finais de 2023, após a dissolução do parlamento.
A instabilidade política e a repressão de protestos populares, foram alguns dos aspectos marcantes deste ano. Após ter anunciado a realização de legislativas antecipadas para 24 de Novembro, o Presidente da República acabou por anunciar o seu adiamento quinze dias antes da data prevista para o escrutínio. Para Diamantino Lopes, 2024 não foi um ano de surpresas. "Já se vislumbrava a instabilidade política porque não houve uma mudança como deve ser (…) Voltou-se a um processo de estagnação", lamenta Diamantino Lopes.
Noutras latitudes, nos Grandes Lagos, não se alcançou ainda a paz no leste da RDC.
No poder desde o ano 2000, o Presidente ruandês Paul Kagame foi reeleito a 15 de Julho para um novo mandato de cinco anos, com mais de 99% dos votos.
Considerado como o principal factor de desestabilização do leste da República Democrática do Congo, ele tem sido assiduamente solicitado por Angola para se sentar à mesa das negociações com o Presidente Tshisekedi.
Uma ronda negocial que devia marcar a possível assinatura de um acordo de paz, no passado dia 15 de Dezembro, acabou por ser cancelada devido a desacordos persistentes entre as partes. Osvaldo Mboco, professor de Relações Internacionais na Universidade Técnica de Angola e autor do livro "Política externa de Angola, Principais marcos, desafios e perspectivas", dá conta da importância do envolvimento de Angola na mediação do conflito do leste da RDC. "Independentemente de todo esse envolvimento de Angola, conhecemos o desfecho que não tem sido muito favorável e, reparando nesta dimensão, Angola deve continuar a trabalhar com o intuito de buscar as melhores soluções e também defender os seus interesses na região", considera o universitário.
Noutro aspecto, a visita no começo deste mês do Presidente americano Joe Biden a Angola, foi considerado um marco histórico para Luanda, Osvaldo Mboco sublinhando que "os americanos têm muitos interesses em Angola".
Entretanto, desta vez em São Tomé e Príncipe, este ano esteve uma vez mais colocado sob o signo das dificuldades económicas. Esta situação foi o motivo invocado pelo chefe do governo, Patrice Trovoada, para tentar abrir brechas e gerar liquidez no país.
Uma dessas brechas é a sua decisão de aumentar substancialmente o valor das taxas aeroportuárias pagas por quem vem de fora. Esta decisão gerou mal-estar entre o chefe do governo e o Presidente da República, apesar de serem da mesma cor política, com Carlos Vila Nova a vetar essa decisão e Patrice Trovoada a levar esse projecto avante, através de uma resolução que entrou em vigor no passado dia 1 de Dezembro.
Para o sociólogo são-tomense Olívio Diogo, este episódio apanhou a população de surpresa, o estudioso vincando que "o país não precisa disso (…) As partes deviam dialogar, não trazer para a praça pública mais um conflito desnecessário que não vai fazer bem à saúde política" do país.
Em Cabo Verde, este ano foi marcado por uma epidemia de dengue e por controvérsias, nomeadamente em torno do dossier dos transportes aéreos. Para o escritor e analista cabo-verdiano António Ludgero Correia, "um país arquipelágico e pobre como Cabo Verde devia ter uma boa rede de transportes marítimos. Nós temos estado a esbanjar dinheiro, a entregar pérolas a porcos, tentando fazer grandes coisas na área de transportes aéreos. A companhia de bandeira tem custado um balúrdio ao Estado".
Por fim, na África do Sul, 2024 marcou uma mudança no cenário político, com o ANC a perder a maioria absoluta nas eleições gerais de Maio, obrigando o partido no poder há 30 anos a formar um executivo de coligação. Para o analista moçambicano Justino Quina, esta é a tradução de um descontentamento da população sul-africana que já vem de longe. "Há um conjunto de demandas sociais às quais ao longo do tempo o ANC não tem sabido responder de forma significativa", refere o estudioso.
Por outro lado, ao evocar os próximos tempos naquele país, em particular a perspectiva de a África do Sul presidir o G20 em 2025, Justino Quina diz esperar que "a África do Sul use esta grande oportunidade para fazer valer não só os seus interesses, mas também os interesses da região".
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Entramos na fase final de 2024 e, como todos os anos, tentamos esboçar um balanço dos últimos meses que passaram em África. Neste sentido, falamos com diversos estudiosos, nomeadamente o escritor e analista cabo-verdiano António Ludgero Correia, o professor de Relações Internacionais angolano Osvaldo Mboco, o analista moçambicano Justino Quina, o jornalista guineense Diamantino Lopes, o sociólogo são-tomense Olívio Diogo e o especialista português do Corno de África, Manuel João Ramos.
Neste balanço do ano, não podíamos deixar de dar destaque a Moçambique cuja actualidade tem sido trágica com a recente passagem do ciclone Chido no norte do país, provocando numerosos mortos e afectando muitos milhares de pessoas.
A nível político, estas últimas semanas foram também intensas em Moçambique, depois das eleições gerais de 9 de Outubro, com a CNE a declarar a Frelimo no poder vencedora com mais de 70% dos votos.
Resultados rejeitados pela oposição, em particular pelo partido extraparlamentar 'Podemos' e o seu candidato presidencial Venâncio Mondlane que apelou regularmente a manifestações e bloqueios por todo o país.
A repressão desses movimentos resultou em mais de 130 mortos, de acordo com a sociedade civil, o que abriu uma ferida profunda no seio da população. Para o cientista político Justino Quina, houve um extremar de posições de parte a parte. Só que "o país não tem condições de viver períodos de instabilidade cíclica", adverte o estudioso.
Este foi também um ano de dor no Sudão, onde pelo segundo ano consecutivo, o exército do general Abdel Fattah al-Burhane se opôs aos paramilitares das Forças de Apoio Rápido do general Hamdane Daglo, com um balanço que ascende a várias dezenas de milhares de mortos, 12 milhões de deslocados e a "maior crise humanitária do mundo", segundo a ONU. Uma situação que infelizmente não tem fim à vista, de acordo com Manuel João Ramos, especialista do Corno de África ligado ao Instituto Universitário de Lisboa, para quem este "é o problema mais grave em todo o mundo, mas aquele é mais esquecido".
A zona do Sahel também continuou em ebulição em 2024, nomeadamente com o Níger, o Mali e o Burkina Faso a anunciarem no começo do ano a sua decisão de sair da CEDEAO. Esta decisão foi confirmada em meados deste mês na última cimeira da Comunidade Económica do Estados da África do Oeste, com os dirigentes da organização a dizerem que esta saída será definitiva dentro de seis meses. Para o jornalista e analista guineense Diamantino Lopes, "factores políticos, diplomáticos e também factores económicos nesses países e ainda associados à segurança" contribuíram para esta decisão.
Este foi também um período particularmente conturbado no Senegal, onde após o anúncio do adiamento das presidenciais inicialmente previstas em Fevereiro, eclodiram manifestações violentas. O escrutínio que acabou por ser realizado em Março, foi marcado pela vitória do opositor Bassirou Diomaye Faye. O seu partido venceu igualmente as legislativas de Novembro, confirmando Ousmane Sonko no posto de primeiro-ministro. Esta alternância política traduziu-se por uma viragem, designadamente em termos de relações com parceiros tradicionais como a França.
Recentemente, o Senegal disse que não quer mais a presença de tropas francesas no seu território, por uma questão de soberania. "Agora, vemos um novo grupo político que é pan-africanista, tem uma outra visão política, uma outra visão da sociedade", considera Diamantino Lopes ao falar em "mudança geracional".
Pelo contrário, na Guiné-Bissau, 2024 marcou a continuidade da viragem assumida em finais de 2023, após a dissolução do parlamento.
A instabilidade política e a repressão de protestos populares, foram alguns dos aspectos marcantes deste ano. Após ter anunciado a realização de legislativas antecipadas para 24 de Novembro, o Presidente da República acabou por anunciar o seu adiamento quinze dias antes da data prevista para o escrutínio. Para Diamantino Lopes, 2024 não foi um ano de surpresas. "Já se vislumbrava a instabilidade política porque não houve uma mudança como deve ser (…) Voltou-se a um processo de estagnação", lamenta Diamantino Lopes.
Noutras latitudes, nos Grandes Lagos, não se alcançou ainda a paz no leste da RDC.
No poder desde o ano 2000, o Presidente ruandês Paul Kagame foi reeleito a 15 de Julho para um novo mandato de cinco anos, com mais de 99% dos votos.
Considerado como o principal factor de desestabilização do leste da República Democrática do Congo, ele tem sido assiduamente solicitado por Angola para se sentar à mesa das negociações com o Presidente Tshisekedi.
Uma ronda negocial que devia marcar a possível assinatura de um acordo de paz, no passado dia 15 de Dezembro, acabou por ser cancelada devido a desacordos persistentes entre as partes. Osvaldo Mboco, professor de Relações Internacionais na Universidade Técnica de Angola e autor do livro "Política externa de Angola, Principais marcos, desafios e perspectivas", dá conta da importância do envolvimento de Angola na mediação do conflito do leste da RDC. "Independentemente de todo esse envolvimento de Angola, conhecemos o desfecho que não tem sido muito favorável e, reparando nesta dimensão, Angola deve continuar a trabalhar com o intuito de buscar as melhores soluções e também defender os seus interesses na região", considera o universitário.
Noutro aspecto, a visita no começo deste mês do Presidente americano Joe Biden a Angola, foi considerado um marco histórico para Luanda, Osvaldo Mboco sublinhando que "os americanos têm muitos interesses em Angola".
Entretanto, desta vez em São Tomé e Príncipe, este ano esteve uma vez mais colocado sob o signo das dificuldades económicas. Esta situação foi o motivo invocado pelo chefe do governo, Patrice Trovoada, para tentar abrir brechas e gerar liquidez no país.
Uma dessas brechas é a sua decisão de aumentar substancialmente o valor das taxas aeroportuárias pagas por quem vem de fora. Esta decisão gerou mal-estar entre o chefe do governo e o Presidente da República, apesar de serem da mesma cor política, com Carlos Vila Nova a vetar essa decisão e Patrice Trovoada a levar esse projecto avante, através de uma resolução que entrou em vigor no passado dia 1 de Dezembro.
Para o sociólogo são-tomense Olívio Diogo, este episódio apanhou a população de surpresa, o estudioso vincando que "o país não precisa disso (…) As partes deviam dialogar, não trazer para a praça pública mais um conflito desnecessário que não vai fazer bem à saúde política" do país.
Em Cabo Verde, este ano foi marcado por uma epidemia de dengue e por controvérsias, nomeadamente em torno do dossier dos transportes aéreos. Para o escritor e analista cabo-verdiano António Ludgero Correia, "um país arquipelágico e pobre como Cabo Verde devia ter uma boa rede de transportes marítimos. Nós temos estado a esbanjar dinheiro, a entregar pérolas a porcos, tentando fazer grandes coisas na área de transportes aéreos. A companhia de bandeira tem custado um balúrdio ao Estado".
Por fim, na África do Sul, 2024 marcou uma mudança no cenário político, com o ANC a perder a maioria absoluta nas eleições gerais de Maio, obrigando o partido no poder há 30 anos a formar um executivo de coligação. Para o analista moçambicano Justino Quina, esta é a tradução de um descontentamento da população sul-africana que já vem de longe. "Há um conjunto de demandas sociais às quais ao longo do tempo o ANC não tem sabido responder de forma significativa", refere o estudioso.
Por outro lado, ao evocar os próximos tempos naquele país, em particular a perspectiva de a África do Sul presidir o G20 em 2025, Justino Quina diz esperar que "a África do Sul use esta grande oportunidade para fazer valer não só os seus interesses, mas também os interesses da região".
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